A QUARENTENA
Eu me lembro de quando a direção de uma das escolas em que trabalho anunciou férias de dez dias, pois, segundo os especialistas, era esse o tempo necessário para que o coronavírus começasse a perder sua força. E achei que era aquilo mesmo. Que dez dias não seriam muito significativos para o desenvolvimento das atividades escolas.
De lá para cá, quanta coisa mudou! A quarentena, que era para ser de dez dias e que a gente precisava ficar explicando para as pessoas que ‘quarentena’ era uma catacrese (uso de um termo por falta de um termo próprio para a designação de um ser ou uma situação), transformou-se numa centovintena – aqui é um neologismo (emprego de palavras novas derivadas ou formadas de palavras já existentes) – que poderá transformar-se noutro neologismo, numa centocinquentena, numa duzentena, coisas deste jaez. E a gente vai se acomodando às necessidades dessa prolongada quarentena, de tempo indeterminado.
E a gente ainda fica ouvindo otimistas e pessimistas de plantão. Otimistas e pessimistas sinceros ou falsos. ‘As aulas presenciais retornarão no dia oito de setembro’. Quá! Quá! Quá! Me engane que eu gosto. Não gosto não. É só um jeito de dizer. ‘Voltaremos aos poucos. Inicialmente, 35% dos alunos’. Lindo! Em primeiro lugar, qual foi a base científica para se adotar essa data de retorno? Não há. É só o chutômetro (outro neologismo) que está funcionando. Em segundo lugar, como é que se faz isso, cara pálida? O professor dá uma aula presencial e, depois, vai correndo pra casa, para dar a mesma aula on-line? E o aluno que não quiser a aula presencial pode assistir à aula on-line ou é obrigado a ir para a escola? Surreal!, como dizem as pessoas, sem saberem ao certo o que isso significa. Por falar nisso, conforme os dicionários, surreal é aquilo que denota estranheza, transgressão da verdade sensível, da razão, ou que pertence ao domínio do sonho, da imaginação, do absurdo. E é isso mesmo: essas pessoas que ficam dando de especialistas, como se fossem as donas da verdade, são surreais, pertencem ao domínio do absurdo.
Para concluir, acho que vamos vencer esse chinesinho. Não sei se vamos mandá-lo de volta pra China ou se irá pra tonga da mironga do cabuletê. O que eu sei é que vamos dar um chute nos glúteos desse vírus, que para cá veio sem ser convidado, acomodou-se na sala de estar de nossas casas e está provocando muitos males, além da morte.
Quando isso acontecer, teremos que aguentar outros vírus. Serão os vírus dos pais da solução, dos Senhores do Mundo. ‘Porque eu fiz isso, porque eu fiz aquilo, porque eu, eu, eu…’. Os egos todos virão à tona, para atormentar os nossos dias.
Quer saber? É nessas horas que se separam os meninos dos homens. Os homens de verdade enfrentam a realidade com altivez, não fazem nada para tirar proveito da situação e procuram, se não solucionar o problema, reduzir os seus efeitos. E a diminuição dos efeitos está diretamente relacionada à postura que você adota. Qual é a sua postura? A de solidariedade e empatia ou a de soberba e oportunismo?
BAHIGE FADEL