CORDIALIDADE
O historiador Sérgio Buarque de Holanda afirmou, no livro Raízes do Brasil, que o brasileiro é um ser cordial. Por muitos anos, se entendeu essa afirmação como sendo gentil, carinhoso, afetivo. E se procurou diferenciar o jeito de agir dos brasileiros do jeito dos norte-americanos, por exemplo. Enquanto o brasileiro seria gentil, afetivo e carinhoso, o estadunidense seria racional, frio, calculista. E a gente gostava dessa diferença. Essa cordialidade estaria diretamente relacionada ao um jeito mais suave de agir, mais caloroso. Nós seríamos mais informais nas relações, enquanto que os outros são mais formais, mais distantes.
Depois dessa pandemia, as concepções sobre a cordialidade do brasileiro mudaram um pouco. Pra início de conversa, o que é ser cordial? Não que tivéssemos mudado o significado da palavra, mas demos uma amplitude maior ao que significa cordial. Cordial é aquilo que se origina do coração. Assim, convencionou-se que um ser cordial é aquele que age a partir de seus sentimentos. Um ser cordial seria afetivo, companheiro, gentil com as outras pessoas.
A grande falha na interpretação da cordialidade do brasileiro está aí. Ele é cordial, sim. Age por sentimentos. Mas os sentimentos que têm aflorado após os dois anos de pandemia não são tão bons como se pretendia anteriormente. Ter ódio também é ser cordial? Ser violento também é uma manifestação de cordialidade? Se segundo os poetas, os sentimentos estão no coração, sentir ódio também é uma manifestação de cordialidade. Está sendo cordial aquele que, por ódio, faz discriminação de gênero. Está sendo cordial aquele que agride física e moralmente alguém só porque não concorda com as suas ideias.
Um dia desses, brinquei, no facebook, com um amigo que lembrava o título mundial do Palmeiras. Perguntei se ele ainda acreditava em Papai Noel e em fada do dente. Ele levou numa boa, mas outras pessoas começaram a escrever coisas grosseiras, deselegantes, ofensivas, como se eu tivesse ofendido a moral e a dignidade delas. E daí eu me lembrei de quando eu ia aos estádios de futebol e me sentava na arquibancada ao lado de um torcedor do time adversário, sem medo de ser agredido ou ofendido. Hoje, nem pensar. A cordialidade, antes, era afeto; hoje, violência.
Nessa época de campanha eleitoral, a cordialidade do brasileiro está à flor da pele, no pior sentido possível. Está sendo uma briga de foice no escuro. Já houve morte. Haverá outras. Dizem que numa situação em que a violência prevalece, a principal prejudicada é a verdade. E é mesmo. Ouviremos muitas notícias a respeito de um e de outro candidato. Só não ouviremos a verdade. Esta ficará escondida na cordialidade das ações, esperando por um momento – Tomara que ele exista. – em que seja permitido que a razão prevaleça.
BAHIGE FADEL