Um dia, conversando com amigos, jogando conversa fora, um deles me perguntou qual seria a pior dor do mundo. Naturalmente que esse amigo estava esperando uma resposta convencional para rebatê-la. É sempre assim nessas profundas conversas de botequim, onde quem mais fala, de fato, é a quantidade de álcool que cada um ingeriu. Mas eu não lhe disse que era a dor de cabeça ou a dor de estômago ou a hérnia de disco ou mesmo a dor de barriga, principalmente quando não existe sequer um banheiro por perto. Se eu dissesse que era dor de estômago, o amigo certamente contra-atacaria com ‘o que isso, companheiro, muito pior do que a dor de estômago é a dor de dente’. Verdade, a dor de dente é terrível. Quem já teve uma nunca se esquece. Mas eu não lhe disse isso. Disse-lhe: A pior dor do mundo é aquela que a gente está sentindo. Como assim? Sem dúvida, a pior dor do mundo é aquela que a gente está sentindo. As outras, sentem-nas os outros. Devem ser as piores para os que as sentem, não para nós.
Bahige Fadel
Os brasileiros já tiveram muitas dores. É só ler os livros de história. Se perguntássemos para os escravos qual é a pior dor do mundo, eles nos responderiam que é o açoite do feitor ou a ausência de liberdade ou a saudade da pátria. Se perguntássemos para um daqueles perseguidos no regime militar, ele nos responderia que era a tortura que lhe foi imposta ou a injustiça de que foi vítima. Se perguntássemos a um homossexual do Brasil, ele nos diria que é aquela surra injustificada que sofreu de um bando de selvagens ou, simplesmente, que é a discriminação que se espalha como praga, apesar das campanhas antidiscriminatórias que realizam. Se perguntarmos a um cidadão do tempo do Collor, ele nos responderá que é a sensação de impotência ao ver que não era mais dono daquele dinheirinho que conseguiu economizar ao longo de sua vida de trabalho.
E a dor atual, qual é? Temos algumas dores, sem dúvida. Uma delas é a sensação de que fomos enganados descaradamente por pessoas em quem confiávamos e que se revelaram verdadeiros canalhas, facínoras, bandidos de alto calibre. Pensávamos que eram deuses, e se revelaram discípulos de satanás. Prometeram-nos o paraíso e foram conduzindo-nos – cordeiros mansos – para o inferno. Prometeram-nos melhores dias, e nos entregaram os dias do desemprego, da dívida, da desconfiança, da insegurança, do desespero.
Qual é o remédio para a cura dessas dores? Qual é o antídoto? Uma coisa é certa, assim como não há remédio milagroso, não existe um Messias, que nos salvará num só gesto, numa só palavra. O remédio está em nós mesmos. E para cada um é diferente do que possui o outro. Que cada um de nós saiba aplicar o medicamento que possui, para se iniciar a cura das dores do Brasil.