Bahige Fadel

ERRO DE PORTUGUÊS, por Bahige Fadel

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ERRO DE PORTUGUÊS

Bahige Fadel

O poeta Oswald de Andrade, da primeira geração modernista do Brasil, crítico e irreverente, escreveu a poesia que deu título a esta crônica:

‘Quando o português chegou

Debaixo de uma bruta chuva

Vestiu o índio.

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português. ’

É uma crítica clara e sucinta ao processo de aculturação do índio brasileiro. A posição do autor fica clara no verso ‘Que pena!’, em que lamenta o que ocorreu, quando o português começou a impor ao índio brasileiro a sua cultura, obrigando-o, praticamente, a desfazer-se de sua própria cultura.

O título da poesia – ERRO DE PORTUGUÊS – é propositalmente ambíguo. Foi essa a intenção do poeta modernista. Você pode entender como um erro de português, isto é, o mau emprego das regras gramaticais. E pode entender também como o português ter errado ao impor ao índio a cultura europeia. Está dentro da irreverência dos modernistas da primeira geração.

Escrevo isso para introduzir uma opinião a respeito do uso da língua portuguesa, no Brasil. No século XIX, quando José de Alencar ‘ousou’ empregar em seus livros a linguagem utilizada pelo brasileiro, caíram de pau nele. Acharam que aquilo que ele escrevia era errado, que a forma correta era aquela empregada pelos portugueses que vieram com D. João VI, em 1808.

Mas isso foi naquele tempo. Dá até para entender. Mas agora, é um saco ouvir e ler pessoas que precisam tirar as teias de aranha de seus pensamentos e conceitos. A coisa mais irritante é ver pessoas – não importa a idade delas – pensando coisas velhas e querendo destruir quem pensa de uma forma mais atual.

Os passadistas da língua portuguesa, por exemplo, devem odiar a poesia de Oswald de Andrade. Devem dizer que o cara não sabia escrever, não sabia nem empregar corretamente os verbos. Onde se viu escrever ‘o índio tinha despido o português’ no lugar de ‘o índio teria despido o português’, conforme o ‘padrão culto de linguagem’. É que Oswald de Andrade estava se lixando para o padrão culto de linguagem. Ele queria escrever como o brasileiro comum falava. E ele não foi o único. Carlos Drummond de Andrade escreveu ‘No meio do caminho tinha uma pedra’. Não escreveu ‘no meio do caminho havia uma pedra’, porque, na linguagem coloquial, ninguém no Brasil usa o verbo haver, nessa situação. Algum professor já ouviu um aluno dizer ‘amanhã haverá prova’? ‘Amanhã vai ter prova, professor?’ – é como o aluno diz.

Outro problema é o emprego do gerúndio. Os puristas da língua já dizem, aqui no Brasil, ‘entre as 10 e as 12, eu estarei a estudar’. Vá às favas, cara! Que negócio é esse de ‘estar a estudar’? Isso é coisa do português da Europa. No Brasil se diz ‘eu estarei estudando’. Usar gerúndio não é gerundismo – mau emprego do gerúndio – nem pecado mortal. Pode usar, que não vai para o inferno. Nem para o purgatório. Mas também, muito cuidado. Conheço gente que coloca o gerúndio da entrada até a sobremesa. Assim também, não. ‘Amanhã eu vou estar telefonando para você, para estarmos conversando, sobre o que estaremos fazendo quando a época das provas estiver chegando’. Nossa!

BAHIGE FADEL

 

 

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