Um dia, um professor, num momento de revolta, me disse: Só o médico pode medicar, só o engenheiro pode fazer plantar de prédios, só o dentista pode tratar os dentes das pessoas, mas qualquer um se acha no direito de ser professor. Na ocasião, ao perceber o estado de espírito do colega, resolvi não argumentar com ele. Poderia ter dito que muita gente se acha capaz de receitar os remédios que deve tomar, abrindo mão da participação do médico, que muita gente resolve construir sua casinha, porque ‘tem experiência’, sem consultar um engenheiro, que muita gente se acha competente para fazer coisas para as quais não está preparada. Mas não disse. Não era bom, naquele instante, atiçar a cobra com vara curta. O golpe poderia ser fatal.
Mas eu entendi o colega. Ele estava reclamando, na realidade, de alguns pais que desejam interferir na atividade pedagógica do professor, porque ‘conheço melhor o meu filho do que você e, por isso, sei o que é bom para ele’. E desse tipo de pais o mundo está cheio. São pessoas que, ao invés de colaborarem com a escola, prejudicam a escola no trabalho educacional. Fazem de tudo para que o professor seja desacreditado. Por outro lado, não aceitam, de forma alguma, que o professor interfira no que o pai faz com o filho, na casa. Quem é você para dizer como devo educar o meu filho? – é uma pergunta comum de pais que, na maioria dos casos, têm problemas na educação de seus filhos. Engraçado que, para esses pais, o professor não deve interferir na educação que eles dão para seus filhos, mas eles, os pais, se acham no direito de interferir no modo como um professor age na escola, na formação desses mesmos filhos. De um lado, vale; do outro lado, não.
Seria muito mais fácil se os pais não agissem como se a escola fosse a substituta da casa. Escola e casa têm funções diferentes na educação de crianças e jovens. Se os trabalhos forem bem feitos, eles não se substituirão, mas se completarão. Um trabalho complementa o outro.Casa e escola devem caminhar no mesmo sentido, não em sentidos opostos ou conflitantes. A escola tem função formativa e informativa. A escola é um meio onde o aluno encontra meios de adquirir informações e, criticamente, selecioná-las, para que possam ser utilizadas com sabedoria em sua vida. A par disso, através do exemplo de seus profissionais, a escola mostra ao aluno valores, responsabilidade, disciplina, solidariedade, amor ao próximo e outros elementos que poderão ser utilizados na vida fora da escola. O aluno não é um dependente da escola. É uma pessoa que será trabalhada pela escola, a fim de que ela tenha meios de adquirir autonomia para escolher o seu próprio destino.
Em casa, é um pouco diferente. Em primeiro lugar, porque há a relação familiar. Essa relação não existe na escola. Em segundo lugar, há a relação de dependência econômica e até afetiva. Na casa, o jovem pode até adquirir conhecimentos de matemática ou química, dependendo do nível cultural e da disponibilidade dos pais, mas não é função primordial da família. Essa função é da escola. A escola pode exigir que o aluno, em respeito às normas da escola, vá uniformizado, não converse em sala de aula para não prejudicar o professor e os colegas, mas não pode exigir que ele corte as unhas ou que tome banho todos os dias ou que escove os dentes após as refeições ou que durma pelo menos oito horas por dia ou que estude ao menos duas horas por dia. Isso é função da família.
Muitas vezes, os professores percebem que um aluno que tem dificuldades de aprendizado ou dificuldades de concentração ou problemas de relacionamento com os colegas ou dificuldades para respeitar as normas de convivência da escola é um aluno que tem dificuldades de relacionamento com a família, que tem dificuldades de atender a uma simples solicitação dos pais. Em educação, nada nasce do nada. Não há geração espontânea. Cabe à escola e à família descobrir a origem dos problemas. Se trabalharem de forma harmônica e cooperativa, ficará bem mais fácil. Mas isso – tenho notado – está ficando cada vez mais difícil de ocorrer.