A eficiência da vacinação em massa, as tendências e como as autoridades podem lidar com novas ondas ou epidemias
Transformar números e dados em informações compreensíveis para o grande público é o trabalho voluntário do médico professor Antônio Luiz Caldas Junior e do economista João Carlos Vieira, que publicam diariamente dados e informações sobre a pandemia de Covid-19, nas redes sociais. O levantamento começou no início da proliferação do vírus.
De acordo com os pesquisadores, o levantamento tem como objetivo mostrar os dados mais relevantes de fontes oficiais, de forma compreensível a todos, através de gráficos, tabelas, projeções.
“Procuramos levar a informação a todos, por todos os meios, especialmente as mídias sociais”.
O que era para focar apenas e somente o que acontecia com a Covid na cidade de Botucatu, foi se expandindo, primeiro para a região, depois para o estado e, por fim, para todo o país e, muitas vezes, até para outros países.
“A princípio, eram apenas números, com o passar dos dias foram se tornando seres humanos, pessoas como nós, com anseios e necessidades, cheias de esperança e de expectativas, que se defrontaram com um mal a princípio desconhecido e letal”.
Muitos conseguiram vencer a Covid. A maioria, felizmente. Mas os nossos 351 botucatuenses que perderam essa batalha, homens e mulheres, jovens e adultos, são os nossos pais, os nossos filhos e irmãos, que se foram. Deixaram um vazio nos corações de milhares de outros. Mas nunca sairão de suas memórias. E é em nome e em reverência a todos eles, os que se foram e os que venceram essa luta árdua e dolorosa, que construímos este trabalho, ao longo desses dois últimos anos.
Quais os dados mais importantes coletados nesse período?
No decorrer desses dois anos, procuramos levantar e divulgar quase que maioria dos dados disponíveis sobre a Covid-19, sempre buscando fontes oficiais e absolutamente confiáveis. Mas é claro que, segundo nosso entendimento, alguns deles, por aquilo que representaram e ainda representam, tiveram um destaque maior.
Entendemos a pandemia como se estivéssemos observando um ciclo, um movimento. E esse ciclo, esse movimento, se inicia com a circulação do vírus. Estudamos e buscamos entender como e em que velocidade se dava essa circulação. E encontramos o hoje tão falado FATOR R, que nada mais é do que a velocidade de expansão do vírus em um dado espaço e tempo. Não foi tarefa fácil. São muitas variáveis a serem consideradas, mas depois de muito esforço, conseguir equacionar a fórmula de cálculo dessa movimentação.
E esse FATOR R era uma baliza importante – quanto maior que 1 era o índice, maior era a expansão. Assim, podíamos prever com razoável antecedência se o vírus estava estável, diminuindo ou aumentando a sua velocidade. Diariamente, publicamos o índice. Ao lado dele, publicamos número de casos, de óbitos, de recuperados e extraíamos vários índices, sempre com o objetivo de nortear o proceder daqueles que acompanhavam o nosso trabalho. Taxa de ocupação de leitos hospitalares, percentuais de vacinados. Enfim, tudo aquilo que nós entendíamos essencial, publicamos TODOS os dias, sem falhar um só que fosse, pelas mídias sociais, especialmente Facebook e Instagram.
Uma coisa da qual nos orgulhamos foi o de, antes mesmo que os grandes veículos de mídia do país, adotamos o conceito de média móvel, tanto para casos novos quanto para óbitos. Exatamente dois meses antes das grandes redes de televisão, nós, aqui de Botucatu, humildemente publicamos pela primeira vez esses indicadores utilizando a média móvel.
Enfim, não há dado mais ou menos importante, quando se trata de observar e analisar uma epidemia tão devastadora quanto tem sido a da Covid-19.
Apesar disso, algumas publicações permitiram que fizéssemos uma síntese do que se passava. Sempre com pé na realidade dos fatos, enfrentando o negacionismo, o otimismo fácil e ilusório e outros desvios de pensamento que tem objetivos outros que não enfrentar a realidade.
Por exemplo, produzimos muitos estudos e materiais, com base em números de todo Brasil, mostrando que o Kit-Covid era uma falácia, uma mentira que causou muito prejuízo à saúde e à vida de pessoas. Estes dados foram inclusive apresentados ao Conselho Municipal de Saúde quando quiseram aqui implantar esses tratamentos sem eficácia. Este pequeno estudo feito por nós é claríssimo e irrefutável.
Qualquer pessoa que queira, observa que nos municípios onde se utilizou o tal Kit-Covid a mortalidade foi muito maior do que a média dos estado ou de Botucatu e Araraquara, onde este engodo não foi aplicado.
Quando Botucatu conseguiu ser escolhida para Estudo de Efetividade das Vacinas (e ainda havia muitos céticos sobre a eficácia das vacinas), buscamos na nossa publicação diária sobre internações as evidências dobrar a eficácia dessas vacinas.
OS pesquisadores chamam a atenção para os dados após três semanas da vacinação em massa, que apontam que as internações por Covid-19 em Botucatu, caíram vertiginosamente. “O gráfico mostra que antes as internações na cidade acompanham a região, subindo muito. De repente, graças às vacinas, houve um divórcio entre as curvas: a região seguiu subindo e Botucatu teve uma baixa expressiva”.
O que esses dados revelam em tendências?
Como tudo o que se relaciona com essa epidemia, foi necessário aprender com o tempo a interpretar os números. Sempre tendo como base a ciência e apenas ela, pudemos alertar, tranquilizar, cobrar, gerar esperanças. Os números sempre foram apresentados de forma bastante didática, com explicações claras para o que eles representavam. Assim, não foram poucas as vezes em que, com base nesses números, pudemos chamar a atenção das autoridades da saúde, com razoável antecedência, que a propagação iria aumentar ou diminuir, para que as medidas necessárias fossem implantadas, Entendemos ter sido essa uma pequena colaboração do nosso trabalho para o manejo da pandemia.
Assim foi, por exemplo em novembro de 2020. Um pouco antes das eleições o Fator “R” começou a subir aceleradamente. Casos e internações também. E de imediato apontamos isso. Não somos adivinhos. Era a ciência. Alertamos a todos. As coisas pioraram muito em dezembro, mas o que se ouvia era que a Pandemia estava indo embora. Nem é preciso falar sobre o que se passou depois, com quese duas centenas de óbitos e milhares de casos, com forte impacto na vida das pessoas e na economia.
Este gráfico, que publicamos há poucos dias mostra tudo o que se passou nestes dois anos.
Esta é a magia de um gráfico. Números isolados, cotidianos, não permitem ter esta visão abrangente. Este gráfico fala de casos, internações em enfermarias e UTIs e de óbitos. Dois anos. Muito poder de síntese. Nele dá pra visualizar com clareza:
⦁ a prolongada evolução de 2020 e a explosão de casos no primeiro semestre de 2021. Nesse período, as ondas de casos, internações e mortes ocorriam em sincronia. Subiam e desciam juntos;
⦁ a ação poderosa das vacina derrubando as curvas no segundo semestre de 2021. Muita gente dizendo “já vai acabar”, mas…;
⦁ A variante ômicron fez os casos explodirem de novo. MAS as curvas se divorciaram. Casos lá em cima, internações e óbitos desproporcionalmente baixos, e;
⦁ Aí veio a modinha do “temos que nos acostumar”, “é assim mesmo”. E as medidas de prevenção do contágio (máscaras e aglomerações) foram abandonadas pelas autoridades e por expressiva parte da população. Resultado: outra explosão de casos desde abril de 2022.
É pena que nem toda a população receba um gráfico tão ilustrativo como este.
Este outro material que divulgamos aborda o poder das vacinas. A ômicron chegou produzindo, muitos casos. Os recordes da pandemia. Os países que se prepararam, como Portugal e o Reino Unido, tiveram porém, poucas mortes. Já aqueles cuja população desdenhou das vacinas, como na Russia e na Ucrânia, o preço em vidas foi muito alto. Este tipo de informação, com base na ciência e em dados é que buscamos difundir. Coisas precisas e fáceis de entender.
Como as autoridades sanitárias podem utilizar todas essas informações para diminuir/evitar o contágio ainda nesta pandemia e em outras ocasiões similares?
A epidemiologia é uma ferramenta científica que transforma dados primários, números periódicos, em material para interpretar a realidade de uma forma mais completa, se antecipar aos fatos , perceber sutilezas das mudanças cotidianas. Isso leva os responsáveis pelas políticas de saúde a se afastarem de interpretações subjetivas, muitas vezes influenciadas pelo nagacionismo, como aconteceu no Brasil e em muitas outras partes do mundo, ou pelo otimismo excessivo que nos desarma diante de um inimigo como o coronavirus e outras ameaças.
Um exemplo bastante apontado pelos especialistas, pelas sociedades científicas e universidades foi o abandono precoce das máscaras, sem nenhum embasamento epidemiológico, voltada mais a interesses políticos. Isso acabou provocando este repique de casos que estamos observando. A ômicron explodiu em todo o mundo e depois recuou. Aqui no Brasil não subiu muito e, exatamente quando baixava, voltou a subir e nos coloca nesta situação atual, onde, embora as internações e mortes sejam proporcionalmente baixas, o alto número de casos impacta fortemente a economia e a vida social das pessoas obrigadas à quarentena.
Qual a maior lição da pandemia em nível científico?
Que a ciência sempre pode nos ajudar! Que em menos de um ano, pesquisadores, universidades e institutos de pesquisa deram uma resposta efetiva, resposta essa ainda em desenvolvimento pois as vacinas precisam e vão ser muito aprimoradas, mas já conseguiram derrubar a mortalidade da Covid expressivamente, como se passou aqui em Botucatu e em tantas partes do mundo. Vitória da ciência e do SUS, que permitiu a vacinação das pessoas.
Na contra mão, o negacionismo misturado com misticismo e politicagem, que foram responsáveis por centenas de milhares de mortes aqui no Brasil e em outros países, como o caso da Ucrânia, onde o presidente Zelensky fazia pregações contra as vacinas com resultados catastróficos como falamos há pouco.
Com certeza a ciência mundial, brasileira e botucatuense avançaram. Nosso Butantã, a Fiocruz, outras entidades cientificas e nossos HC e Faculdade de Medicina saem engrandecidos desta batalha, mesmo que a guerra ainda prossiga. A PANDEMIA AINDA NÃO ACABOU!