PENSAMENTO DE POLÍTICO
Bahige Fadel
Vou ter a pretensão de desvendar, nessas poucas linhas que me são destinadas, o pensamento de um político. Sei que vai ser difícil. É quase tão difícil quando desvendar o mistério da Santíssima Trindade do cristianismo. Mas vamos lá. Pode ser que alguma luz clareie algum obscuro caminho.
Um político recebe, de repente, o cargo de presidente, com o qual já havia sonhado, mas que nunca teve coragem de entrar numa disputa para chegar lá. Enfim, as circunstâncias o fazem presidente de um país. Guindado ao posto, pensa: Tenho que fazer alguma coisa para entrar na história, para não ser apenas mais um. Muito parecido com o que pensava Brás Cubas, personagem de Machado de Assis. Na ficção, para ser lembrado, o personagem resolveu inventar o emplasto Brás Cubas, para acabar com todas as dores do mundo. Na realidade, o presidente resolveu mudar totalmente a lei previdenciária, alegando que faltava dinheiro para cumprir com os compromissos.
E o que fez o sortudo presidente, aquele que estava no lugar certo na hora certa? Inventou um emplasto, perdão, uma lei que, para ter mais dinheiro, arrebentaria com o trabalhador, que dificilmente conseguiria aposentar-se, e com o aposentado, que, depois de anos e anos de contribuição, veria, em várias situações, seu dinheiro minguar-se. Com isso, teria que reduzir o seu padrão de vida e aguentar todas as dores da idade, pois não teria mais dinheiro para comprar os seus remédios.
Naturalmente que o esperto presidente tomou certos cuidados. Em primeiro lugar, não mexeria com os poderosos. De jeito nenhum. Alguma lei especial para as grandes fortunas? Que é isso, camarada? No Brasil, as grandes fortunas já pagam ‘muitos impostos’. É difícil mexer com esses caras. Eles, por exemplo, sustentam campanhas eleitorais. É mais fácil mexer com trabalhador e aposentado. Houve a extinção de certos benefícios demagógicos para pessoas que mamam no governo, mas não trabalham? De jeito nenhum, tirar esses benefícios é o mesmo que tirar votos.
Bem, assim como na ficção o emplasto milagroso não deu certo, o projeto do presidente também não deu. Encontrou resistências. A maioria dos resistentes, é bom que se diga, não estava muito preocupada com o trabalhador ou com o aposentado. Estava preocupada com seus votos nas eleições. E o que fez o presidente? Aproveitou a situação calamitosa (há muito tempo) de um estado, decretou intervenção e, por força da lei, retirou o tal projeto antitrabalhador e antiaposentado. Saiu por cima. Para inglês ver, não saiu derrotado. Enquanto isso, vai apresentando um monte de pequenos projetos sobre o assunto, para que possa negociar com os congressistas um por um. E com certeza, nesse ano de eleições, serão oferecidos negócios de ocasião.
O leitor deve ter notado que tudo isso é ficção. Na verdade, são digressões sobre o pensamento do político. Posso ter errado. Não tem importância. Afinal, como eu explico para meus alunos, a literatura não precisa ser verdadeira; ela tem que ser apenas verossímil. E temos que concordar que, pelo menos, verossimilhança existe nessa ficção.
BAHIGE FADEL