Estudo busca recuperar pacientes de insuficiência arterial com risco de amputação
A doença arterial periférica é uma condição em que ocorre o estreitamento e/ou oclusão das artérias que transportam o sangue para as pernas e os pés. No primeiro estágio, o paciente pode não apresentar sintoma algum. Mas conforme a obstrução arterial evolui, passa a apresentar dor ao realizar alguma atividade física, como caminhar. A evolução natural da doença quando não tratada adequadamente é o entupimento progressivo da circulação, que pode vir acompanhado do surgimento de feridas que não cicatrizam e a necrose, que muitas vezes resulta em amputações.
Um projeto de pesquisa clínica a ser desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP) e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB) foi selecionado em chamada pública do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e representa um alento para quem sofre com a doença arterial periférica. O estudo prevê a captação e expansão de células-tronco autólogas em pacientes que desenvolveram úlceras e apresentam risco de amputação de membro.
O estudo clínico randomizado acompanhará 40 pacientes atendidos pela equipe de Cirurgia Vascular do HCFMB. Serão utilizadas células-tronco mesenquimais obtidas do tecido adiposo do próprio paciente, que depois de amplificadas em laboratório e submetidas a rigoroso processo de controle de qualidade serão aplicadas em forma de curativo, com a finalidade de melhorar a circulação sanguínea para ajudar na cicatrização das úlceras e reduzir o risco de amputações.
“Em algumas situações a gente fica sem recursos. Muitas dessas pessoas estão com úlceras abertas e por esse motivo acabam perdendo seus membros. Nossa proposta é o uso de células-tronco obtidas da gordura dos próprios pacientes. Amplificadas aos milhões em laboratório, essas células serão aplicadas nas lesões nas pernas buscando recuperar essas feridas”, explica o Dr. Matheus Bertanha, docente da Disciplina de Cirurgia Vascular da FMB e o líder do estudo.
A pesquisa, com prazo previsto de três anos, receberá aporte de R$ 4,5 milhões, através do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde. A previsão é que as padronizações para desenvolvimento do estudo comecem a ser feitas no segundo semestre deste ano, utilizando células de descarte de pacientes da cirurgia plástica. As atividades, efetivamente, devem ser iniciadas em 2025.
A rede estabelecida para o desenvolvimento do trabalho inclui o Centro de Processamento Celular (CPC) do Laboratório de Biotecnologia Aplicada (LBA) do HCFMB, a Unidade de Pesquisa Clínica (UPECLIN) e a Unidade de Pesquisa Experimental (UNIPEX) da FMB. “É um trabalho bastante complexo, que envolve muito controle de qualidade, muitas particularidades e para sua execução ainda faltam alguns ajustes no laboratório. Estamos aguardando essa pequena reforma para que seja feita a manipulação das células no local”, acrescenta Bertanha.
Os recursos aportados para o desenvolvimento do estudo serão aplicados no pagamento de seguro para os participantes, de custos operacionais do hospital com pacientes, aquisição de insumos e equipamentos. Esse investimento permitirá ao HC a modernização e ampliação de seu parque tecnológico e será um legado deixado pela pesquisa. “Muitos dos equipamentos de ponta que vemos no hospital e na faculdade foram adquiridos através de projetos de pesquisa, por iniciativa dos pesquisadores. Nosso estudo contempla, por exemplo, a compra de um ultrassom com software específico para análises com microbolhas, um aparelho para realização da capilaroscopia (análise quanto tem de O2 na pele). Também vamos adquirir equipamentos que nos possibilitarão realizar a termografia (técnica que permite mapear um corpo ou uma região com o intento de distinguir áreas de diferentes temperaturas), exame que hoje não oferecemos. São aparelhos de alto custo e que vão auxiliar na identificação da melhora e evolução dos pacientes”, ilustra Bertanha.
Para o pesquisador, o estudo poderá levar a uma melhora nas condições de saúde e na qualidade de vida dos pacientes, ao mesmo tempo em que permitirá à FMB e ao HCFMB contribuir para a promoção de pesquisa brasileira de ponta. “Acredito que poderemos trazer contribuições muito interessantes, a partir desse estudo. Estamos falando de pesquisa de ponta, do uso da terapia celular como alternativa terapêutica real na sociedade. Da pesquisa clínica aplicada para os pacientes do nosso hospital, do treinamento de profissionais, da evolução da ciência e todo legado que esse experimento deixará. E o principal, que é um tratamento que poderá trazer alívio ao sofrimento de pacientes, familiares e cuidadores”.
Além de Bertanha, o projeto envolverá outros pesquisadores como o Dr. Marcone Lima Sobreira, a Dra. Rejane Maria Tommasini Grotto, a pós-doutoranda Dra. Lenize da Silva Rodrigues, além de médicos, alunos de doutorado, pós-doutorado, mestrado e de iniciação científica.
Encontro – Na semana passada, o professor Matheus Bertanha esteve em Brasília participando do Seminário de Avaliação Marco Zero das Chamadas Públicas de 2023, organizado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS). O evento reuniu o Ministério da Saúde, financiadores e pesquisadores de projetos selecionados por chamadas públicas realizadas no ano passado.
O docente e pesquisador da FMB teve a oportunidade de apresentar o projeto de pesquisa voltado ao tratamento de pacientes com doença arterial e discutir o alinhamento com as políticas de saúde e as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). O encontro marca um importante passo na integração de esforços entre governo, academia e sociedade civil para fortalecer a saúde pública no Brasil.