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São Paulo, um estado refém da ditadura técnica, por João Batista Tavares

Publicado

em

João Batista Tavares
Bacharel em Ciências Econômicas e Advogado
http://lattes.cnpq.br/8431606430363900

Três décadas se passaram desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil e o maior Estado da República ainda não recepcionou a norma federal em sua própria Constituição estadual. Especificamente, em relação à organização, à composição e à fiscalização dos Tribunais de Contas, a Constituição da República determina, no art. 75, que o modelo estabelecido para o Tribunal de Contas da União (TCU) deve ser compulsoriamente aplicado aos tribunais estaduais e conselhos municipais.

No que concerne à composição, os termos do parágrafo único do art. 75 da CF/88 e da Súmula do STF nº 653 estabelecem que os Tribunais de Contas estaduais sejam compostos por sete conselheiros: quatro devem ser escolhidos pela Assembleia Legislativa e três pelo chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre membros do Ministério Público de Contas, e um terceiro de sua livre escolha.

No caso do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a despeito de terem sido ajuizadas duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF – ADI 397/SP e 374/DF –, nas quais foi discutida a forma de sua composição e a ordem de indicação dos conselheiros, o fato é que, passados mais de trinta anos da promulgação da Constituição Federal, a Corte paulista ainda não contempla entre seus conselheiros um representante do Ministério Público de Contas, o que torna irregular a sua composição, uma vez que se revela ilegítima a participação de conselheiro que não seja proveniente da carreira do parquet especial, regularmente aprovado em concurso público de provas e títulos. (STF/ADI 3192-9/ES, Min. Eros Grau. Djul. 24/5/2006).

A ADI nº 397-SP foi distribuída no STF em 7/11/1990, tendo como relator inicial o Min. Celio Borja, e tinha como pleito a declaração de inconstitucionalidade do item 1, do § 2º, do art. 31da Constituição do Estado de São Paulo, que previa ao governador do Estado a indicação de somente dois conselheiros aprovados pela Assembleia Legislativa, alternativamente entre os substitutos de conselheiros e membros da Procuradoria da Fazenda do Estado junto ao Tribunal, indicados por este, em lista tríplice, segundo critérios de antiguidade e merecimento, absolutamente em descompasso com o formato exigido pela Constituição Federal.

Comprovada a afronta ao art. 75 da CF/88, em 30/11/1990, o STF, por unanimidade, deferiu o pedido de liminar para suspender, até o julgamento final da ação, os efeitos do dispositivo da Carta Paulista. O julgamento do mérito da ADI 397 ocorreu somente em 3/8/2005, sob a relatoria do ministro Eros Grau, com a confirmação da medida liminar por unanimidade da inconstitucionalidade dos itens “1” e “3” do § 2º do artigo 31 da Constituição do Estado de São Paulo. O Acórdão foi publicado no dia 10/8/2005, ou seja, quatorze anos e dez meses desde a data da entrada na Suprema Corte e dezessete anos após a proclamação da Constituição Federal.

Nesse mesmo período, foi distribuída a ADI 374-SP, em 2/10/1990, com a relatoria do ministro Celso de Mello, que requeria a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição paulista, o qual previa que após a promulgação da Carta paulista, as quatro primeiras vagas que surgissem no TCE-SP seriam indicadas somente pela Assembleia Legislativa. Em 26/10/1990, o STF, por maioria de votos, deferiu a medida cautelar e suspendeu, até o julgamento final da ação, a vigência do art. 7º do ADCT, da Constituição do Estado de São Paulo.

Pois bem, o julgamento final ocorreu somente em 22/3/2012, com a publicação do Acórdão em 21/8/2014, isto é, vinte e seis anos após a promulgação da Constituição Federal. Importante reproduzir alguns trechos do voto do ministro-relator Dias Toffoli:

[…], os Estados-membros não gozam de liberdade para retardar a transição de um regime constitucional a outro. Tampouco podem fechar os olhos aos critérios expressos na Carta Magna e às decisões deste Tribunal. Esta Suprema Corte, por sua vez, não pode deixar espaços para soluções normativas ou interpretativas que se prestem a um atraso ainda maior na implementação do modelo constitucional. Essa flagrante situação de inconstitucionalidade vivenciada no Estado de São Paulo não pode perdurar, sendo necessária imediata adequação ao modelo proposto na Constituição Federal. […] Ora, decorridos mais de vinte e três anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, a inexistência de membros do Ministério Público Especial poderia dar ensejo, inclusive a um cenário de omissão inconstitucional do Poder Público, conforme assentou esta Corte no julgamento da ADI 3.276/CE. […] No caso, desconsiderou-se, por completo, a proporcionalidade de que tratam os arts. 72, § 2º, e 75 da CF/88. Não vejo, ademais, como as decisões deste Tribunal, na presente ação e na ADI nº 397/SP, possam ter servido de fundamento para tamanho desrespeito às regras da Constituição da República.

A lei que criou os sete cargos de auditor foi sancionada somente em 8/12/2005 (Lei Complementar nº 979) e a que instituiu o Ministério Público de Contas (Lei Complementar nº 1.110) é de 14/5/2010, isto é, a lei dos auditores demorou dezessete anos e a do MPC, vinte e dois anos para serem elaboradas pelo Poder Legislativo paulista, inobstante a observação do ministro Toffoli na ADI 374-SP, e o relevante a ser observado reside no fato de que até os dias atuais, portanto, há mais de três décadas da promulgação da Constituição Federal, o TCE-SP ainda não contempla dentre seus conselheiros um representante legítimo do Ministério Público de Contas.

Como se pode comprovar, mesmo promulgada em 5/10/1989, portanto, um ano após a vigência da atual Constituição Federal, ainda assim o constituinte bandeirante e a elite jurídica optaram por afrontar a nova ordem jurídica que a sociedade brasileira exigiu nas ruas e, especialmente no tocante ao controle externo estadual, prevaleceu o interesse dos conservadores, ampliando a competência e colocando amarras inconstitucionais ao pleno crescimento e desenvolvimento do Terceiro Setor no Estado de São Paulo, situação que persiste até os dias atuais.

Quanto à Fiscalização, estabelece a Carta Federal competência aos Tribunais de Contas para o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades “instituídas e mantidas” pelo Poder Público. Entretanto, o Poder Legislativo paulista houve por bem afrontar novamente a Carta da República, com a deliberada intenção de reproduzir com erro a norma da Constituição Federal, ao estabelecer a alternativa “instituída ou mantida”.

Como consequência desse sutil, intencional e nefasto erro, ocorreu o agigantamento inconstitucional do Tribunal de Contas Estadual, que, nos últimos trinta anos, vem julgando contas de entidades privadas que não integram e nem são mantidas pelo Poder Público. Com efeito, desrespeitando a natureza jurídica dessas entidades o TCE-SP vem lhes aplicando o regime de direito público, exigindo a realização de concurso público e a utilização da Lei das Licitações e Contratações do serviço público – Lei nº 8.666/93 –, comportando-se como um tribunal de exceção, num regime de ditadura técnica que conta com a condescendência das autoridades constituídas.

A expressão “Ditadura Técnica” constitui-se tipologia idealizada por Maurice Duverger (Bobbio; Matteucci; Pasquino. Dicionário de Política. 13. ed. Editora UNB, 2007. V. 1, p. 377), sendo aquela que tem origem numa crise apenas conjuntural, juntamente com um trauma do sentimento público, que aparentemente não prejudica sua legitimidade, e corresponde apenas às necessidades dos poucos que são seus protagonistas. Infelizmente, é a realidade a que se assiste no Estado de São Paulo, notadamente na área pública, cujos integrantes da elite jurídica e autoridades constituídas, mútua e fraternalmente, se autoprotegem e se abstêm de apurar os excessos cometidos pelo Tribunal de Contas do Estado, e o inverso também é verdadeiro.

Nesse contexto, importante registrar que essa elite jurídica é predominantemente composta por egressos da Faculdade de Direito da USP. Somente no TCE-SP existem quatro conselheiros; também estão presentes na Procuradoria Geral do Estado, no Ministério Público Estadual, no Poder Judiciário Estadual, na ALESP, bem como no STF, com o elo estabelecido por meio da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito, que é a entidade remanescente da sociedade secreta paulista Bucha – Pacto da Comunhão dos invisíveis –, que possui como fim primordial alimentar os sentimentos de fraternidade e autoajuda entre seus membros, conforme revela o estatuto social e reminiscências que se encontram disponibilizados no site: <http://www.arcadas.org.br>. Há também afirmações de que o proprietário do Jornal Estado e seu filho também integraram a sociedade secreta, além de entidades similares que foram criadas na Faculdade de Medicina e na Politécnica, ambas da Universidade de São Paulo, e na Escola Paulista de Medicina. <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/bucha–a-sociedade-secreta-do-direito/88>, mas, certamente, são os formados pelas velhas arcadas é que mantém a ditadura técnica implantada em São Paulo.

Outra comprovação de que a entidade secreta não foi desativada encontra-se na rede mundial de computadores com a afirmação da ilustre Deputada Estadual, Professora Janaína Paschoal, conforme reportagem de João Melo – 05.04.2016, disponível no Portal de notícias GGN: <https://jornalggn.com.br/crise/janaina-paschoal-e-o-renascimento-da-bucha/>.

Outra condenável particularidade existente no Estado está no fato de as universidades e fundações públicas estaduais, além do Tribunal de Contas do Estado, não realizarem concurso público para o exercício das funções de assistentes e procuradores do Estado, afrontando o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, bem como o decidido pelo STF na ADI nº 4.843, sob a relatoria do ministro Celso de Mello. É certo que as entidades universitárias e de fomento à pesquisa permanecem vulneráveis às indicações políticas de toda sorte e, por incrível que pareça, até dos membros integrantes do órgão estadual de controle, que desta forma mantém um gerenciamento indireto sobre a gestão dessas entidades, condenando-as ao atraso jurídico-administrativo em relação aos demais estados da federação brasileira.

Como é que se admite que uma sociedade de homens formados numa das melhores faculdades de direito do Brasil desrespeite continuadamente a Constituição da República Federativa do Brasil?

A Constituição Federal de 1988 que, nas palavras de Ulisses Guimarães, foi construída para sepultar a ditadura militar que havia se instalado em março de 1964, como se pode ver pelo trecho do discurso proferido na sessão de 5/10/1988: “QUANDO APÓS TANTOS ANOS DE LUTAS E SACRIFÍCIOS, PROMULGAMOS O ESTATUTO DO HOMEM, DA LIBERDADE E DA DEMOCRACIA, BRADAMOS POR IMPOSIÇÃO DE SUA HONRA: TEMOS ÓDIO À DITADURA. ÓDIO E NOJO. AMALDIÇOAMOS A TIRANIA ONDE QUER QUE ELA DESGRACE HOMENS E NAÇÕES, PRINCIPALMENTE NA AMÉRICA LATINA”.

Pois bem, mesmo diante do peso das palavras do saudoso Ulisses Guimarães, o fato é que o cenário vivenciado no Estado de São Paulo nos últimos trinta anos parece indicar que na visão do Poder Legislativo, da elite jurídica e dos órgãos de controle externo, a índole dos brasileiros de São Paulo é muito pior que a dos demais que vivem em outros estados da Federação. As perguntas que não se podem calar: Por que o povo paulista necessita de tanto controle? E por que o Estado de São de Paulo resiste em recepcionar a Constituição da República?

Comprovando o cenário de exceção que impera em São Paulo, em que pese o STF tenha decidido, no ADI 1923/DF, que as fundações e associações privadas não se submetem à Lei de Licitações e nem à regra do concurso público, e mesmo após o Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo ter decido no Inquérito Civil nº 14.0214.0001900/2018-9, de 23/10/2018, que pessoa jurídica de direito privado não se submete à regra do art. 37, inciso II, da Constituição Federal, ainda assim, em Sentença publicada em 27/8/2019, no TC-006320.989.14-8, a conselheira do TCE-SP CRISTIANA DE CASTRO MORAES decidiu não aprovar contratações do ano de 2013 de uma entidade de direito privado que não recebe repasse ou transferência de recursos públicos, por afronta ao art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.

Partilhando desse mesmo atraso jurisprudencial, os conselheiros Renato Martins Costa e Dimas Ramalho – egressos das arcadas e ex-membros do Ministério Público Estadual, atuando no TCE-SP desde 1994 e 2012, respectivamente, publicaram, em 28.9.19 e 24.10.19, decisões nos processos TC-001934/002/12 e TC-017524.989.17-5, julgando ilegais contratações de 2012 e 2013 da mesma fundação de direito privado, por não terem sido submetidas à regra do concurso público, que é exigido somente dos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, conforme o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

Importante informar que o TCE-SP é o único no Brasil que adota esse procedimento inconstitucional e que o TCU, por meio da Decisão nº 230, de 31.5.1995, dispensou as fundações privadas de lhes prestarem contas diretamente, para evitar superposição de controles, que se revela contraproducente e antieconômica. Com efeito, qualquer órgão ou entidade pública que desempenhasse atividade nas condições acima, certamente seria extinta por desperdício de recursos públicos e por afronta direta ao princípio da economicidade, também exigido no art. 70, caput, da Constituição Federal.

Quem fiscaliza o TCE-SP?

No caso acima citado, por exemplo, os conselheiros recebem, individualmente, subsídio mensal de R$ 35.462,22, e ao julgarem contas de entidade privada estão desempenhando atividade em superposição de controles que se revela contraproducente e antieconômica. Além de não respeitarem a Constituição Federal, as decisões do STF e até a decisão do Conselho Superior do MPSP, os conselheiros do TCE-SP desconsideram até mesmo a colega de trabalho, a Doutora Cristina del Pilar Pinheiro Busquets, que exerce função de Assessora Técnico-Procuradora do TCE-SP e que, no artigo “Registro de Atos pelo Tribunal de Contas” (disponível em: <https://tinyurl.com/y43j2mkv>), deixa claro que contratos de empregados de entidades privadas não são passíveis de registro e que somente aqueles que ingressarem na Administração Pública e forem investidos em cargo, emprego ou função pública é que terão os respectivos atos submetidos aos Tribunais de Contas. Inexiste no mundo jurídico razão lógica para que um tribunal de contas registre contratos de empregados do setor privado e que se aposentarão pelo Regime Geral da Previdência Social.

O único advogado que ousou apontar o GRAVE ERRO na Constituição paulista foi o Professor Catedrático da USP Miguel Reale Júnior, que, no parecer Fundações – Fiscalização pelo Ministério Público. RDP-98 (Revista de Direito Público, São Paulo, p. 70-74), afirma com a autoridade jurídica que lhe é nata: “A Constituição do Estado de São Paulo reproduz com erro a norma da Constituição Federal, pois estabelece a alternativa ‘instituída ou mantida’. É flagrante neste caso a afronta à disposição contida no art. 75 da CF, que impõe às constituições estaduais, no que tange à fiscalização, a reprodução do contido na norma constitucional federal”.

Na Constituição do Estado de São Paulo o erro diagnosticado pelo Mestre Miguel Reale Júnior se repete nos artigos 32, caput; 33, inciso II, porém, na Lei Complementar nº 709, de 14/1/1993, que é a Lei Orgânica do TCE-SP, está nos artigos 2º, incisos III, V; art. 15, inciso VII; art. 25, caput; art. 26, caput; art. 27, caput; art. 38, caput e art. 76, caput e, ainda, em diversas outras leis estaduais, como a de credenciamento das Organizações Sociais – Lei Complementar nº 846, de 4.6.1998, que em seu art. 12 determina o julgamento do balanço das entidades privadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, afrontando claramente o art. 75 da Constituição Federal.

A propósito do efeito de leis inconstitucionais, considera-se importante trazer a lição do desembargador Souza Prudente (TRF da 1ª Região – AR nº 94.01.08709-1/DF 2ª Câmara. Julgado em 27.6.1995): “NO ESTADO DE DIREITO, A LEI INCONSTITUCIONAL AGRIDE A ALMA DO POVO, QUE A CONSTITUIÇÃO MATERIALIZA, EM SEUS PRECEITOS. NÃO HÁ ATO JURÍDICO PERFEITO NEM COISA JULGADA EM AFRONTA À CONSTITUIÇÃO, CUJA INTELIGÊNCIA ÚLTIMA SE RESERVA, EM TERMOS ABSOLUTOS, AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, art. 102, caput)”.

A realidade imposta ao Estado de São Paulo nos últimos trinta anos – o Estado mais poderoso da federação brasileira – demonstra que a sua Corte Estadual de Contas está adotando jurisprudência superada em décadas, mas que possui um sistema de proteção no âmbito estadual e até no STF que lhe permite rejeitar os avanços da modernização e não se harmonizar com a Constituição Federal, contribuindo com o atraso no desenvolvimento da Administração Estadual e dos Municípios paulistas.

A propósito desse cenário, no qual se assiste não somente à rejeição das técnicas modernas de fiscalização e tomada de contas, em face do avanço da tecnologia da informação, mas também à rejeição a qualquer tipo de modernização, por exemplo, adequar-se a sua Lei Orgânica, de 1993, ao novo Código de Processo Civil, permitir o acesso dos advogados a todos os processos em trâmite, como determina a Lei nº 13.793, de 3.1.2019. No TCE-SP ainda se exige, para uma simples vista de processo, que o interessado apresente um requerimento justificado dirigido ao relator do processo. Mas não é somente o TCE-SP, o Ministério Público Estadual também não disponibiliza o acesso digital dos advogados aos inquéritos civis em tramitação, contribuído com a manutenção do ambiente de insegurança jurídica implantado no Estado de São Paulo.

Almeja-se com este pequeno texto iniciar um processo de conscientização dos integrantes dos poderes constituídos no Estado de São Paulo – Executivo, Legislativo e Judiciário – da imperiosa necessidade de serem corrigidos na Constituição Estadual os erros diagnosticados por Miguel Reale Júnior, em respeito à sociedade paulista que paga os tributos que sustentam todo o sistema estadual de governo. O contribuinte paulista não paga os pesados tributos para que a Assembleia Legislativa produza leis inconstitucionais que, ainda, atrapalham o desenvolvimento e reduzem a liberdade das entidades que integram o setor privado e auxiliam o Estado na implementação das políticas públicas de saúde, cultura, ciência, tecnologia e inovação.

Uma Proposta de Emenda à Constituição paulista foi enviada a todos os deputados estaduais e ao governador do Estado, João Dória, indicando os dispositivos inconstitucionais que necessitam ser alterados para harmonizá-la com a Constituição Federal e, também, para libertar e destravar o maior Estado da federação, porque leis inconstitucionais ofendem a alma do povo, como bem afirmou o desembargador Souza Prudente, contudo, até agora somente duas deputadas responderam informando que estudariam a proposta recebida.

A postura apresentada pelo TCE-SP nas últimas três décadas, julgando à margem da Constituição Federal, principalmente, em relação às entidades privadas que não integram a Administração Pública, infelizmente, somente se solidificou com a implantação da cultura do MEDO, notadamente naquelas entidades localizadas no interior do Estado, como diagnosticou Fernando Vernalha Guimarães, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela UFPR e professor de Direito Administrativo. No artigo publicado pela Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, sob o título “O Direito Administrativo do Medo: a crise da ineficiência pelo controle” (Disponível em: <goo.gl/6sgW9y>, 13.11.2019), ao discorrer sobre a dramática situação em que se encontram os administradores públicos, em face dos excessos dos órgãos de controle, afirma:

O administrador público vem, aos poucos, desistindo de decidir. Ele não quer mais correr riscos. Desde a edição da Constituição de 88, que inspirou um modelo de controle fortemente inibidor da liberdade e da autonomia do gestor público, assistimos a uma crescente ampliação e sofisticação do controle sobre as suas ações. Decidir sobre o dia a dia da Administração passou a atrair riscos jurídicos de toda a ordem, que podem chegar ao ponto da criminalização da conduta. Sob as garras de todo esse controle, o administrador desistiu de decidir. Viu seus riscos ampliados e, por um instinto de autoproteção, demarcou suas ações à sua “zona de conforto”. Com isso, instalou-se o que se poderia denominar de crise da ineficiência pelo controle: acuados, os gestores não mais atuam apenas na busca da melhor solução ao interesse administrativo, mas também para se proteger. Tomar decisões heterodoxas ou praticar ações controvertidas nas instâncias de controle é se expor a riscos indigestos. E é compreensível a inibição do administrador frente a esse cenário de ampliação dos riscos jurídicos sobre suas ações. Afinal, tomar decisões sensíveis pode significar ao administrador o risco de ser processado criminalmente. Como consequência inevitável da retração do administrador instala-se a ineficiência administrativa, com prejuízos evidentes ao funcionamento da atividade pública.

Na conclusão, esclarece o autor que:

É relevante, enfim, repensar o nosso sistema de controle e revisitar os entendimentos (principalmente, jurisprudenciais) que lhe vêm dando conotações extensivamente rígidas e ortodoxas. Afinal, os sinais da ineficiência administrativa estão mais visíveis do que nunca. E, como se disse no início desse texto, a superexposição do gestor público aos riscos jurídicos derivados da cultura acrítica do controle está impondo-lhe o ônus da inércia. Chegou a hora, enfim, de investigarmos o custo do controle.

Infelizmente, a inobservância pelo Poder Legislativo paulista do princípio da simetria constitucional contribuiu para o alargamento irregular das competências do TCE-SP, demonstrando que o Poder Legislativo paulista optou por privilegiar a FUNÇÃO CONTROLE ao invés da Política de Ciência, Tecnologia e Inovação. Leis inconstitucionais implantaram em todo o Estado a cultura do medo e, lamentavelmente, com a condescendência das autoridades constituídas no Estado, Legislativo, Ministério Público, Poder Judiciário, Tribunais Superiores e até da Seção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-SP, instituição que, historicamente, era uma das mais ativas defensoras da ordem jurídica e guardiã da Democracia, mas que em nosso Estado se mantém absolutamente omissa acerca do cenário de exceção aqui implantado. Outro segmento que se mantém omisso são os grandes veículos de imprensa (Globo, Estadão e Folha). A bem da verdade, não se pode negar que se convive no Estado de São Paulo, notadamente na área pública, num clima de hipocrisia crônica, e quem se levanta contra o sistema implantado há mais de três décadas será automaticamente perseguido até que seja excluído da cena.

Cabe lembrar que o regime político vigente no Brasil é o regime democrático, garantido pelo Estado Democrático de Direito e pela igualdade entre os Estados, entretanto, no Estado de São Paulo, em face de leis inconstitucionais, parece implantado, notadamente na área pública, um regime não democrático em que se convive com uma doutrina política com tendências autoritárias, que defende a exclusiva autossuficiência do Estado e suas razões, mantendo as administrações estadual e municipais, inclusive as universidades públicas, reféns dos órgãos de controle, e que também desconsidera por completo o direito das entidades privadas que são parceiras do Estado e sem as quais o próprio Estado não consegue implantar as políticas públicas tão importantes para a população. Em nossa opinião, SE SÃO PAULO FOSSE UM ESTADO INDEPENDENTE O FASCISMO SERIA O SEU REGIME DE GOVERNO!

Finalizando, fica a pergunta às autoridades constituídas e que serão remuneradas pelos tributos pagos pela sociedade: QUEM COMANDA O ESTADO DE SÃO PAULO? São os escolhidos democraticamente pelos brasileiros paulistas pelo voto direto e secreto nas urnas ou será uma elite jurídica com seus dogmas e interesses não republicanos, que somente está interessada na manutenção dos privilégios bancados pelo erário?

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Brasil

Duas visões sobre a jurisdição do STF, artigo de Ives Gandras Martins

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No XII Congresso de Direito Constitucional da FADISA (Faculdade de Direito de Santo André) realizado em 18 de outubro deste ano, palestramos, os desembargadores Valdir Florindo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (2ª), Reis Friede do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde foi presidente, o Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e eu.

A temática do evento foi “Ética e Liberdade, Liberdade com Ética”. O Ministro Luís Roberto Barroso e eu fomos os últimos a falar.

Embora o Ministro tenha abordado aspectos das oportunidades e riscos da evolução da inteligência artificial na Justiça e no mundo e eu, de meu lado, os fundamentos permanentes da ética, moral e liberdade, mais voltados ao direito natural, com sua evolução na História a partir da Filosofia, ambos apresentamos nossa interpretação da temática que, embora convergente em sua percepção é divergente em sua aplicação na realidade brasileira.

O eminente presidente da Suprema Corte entende que, apesar da aplicação do Direito por todo magistrado exigir permanente reflexão, como nem todas as situações judicializadas tem legislação pertinente regulatória, o juiz deve lastrear-se em princípios fundamentais albergados na Lei Suprema para dar solução adequada, o que, a seu ver, não é invadir as funções do Poder Legislativo, mas implementar, para a hipótese, o que está na Constituição. Assim, se o STF entender que, mesmo havendo legislação, aquela produção normativa do Congresso a respeito do princípio constitucional não é a mais adequada, pode atuar para oferecer a melhor exegese, por ser a instância máxima da interpretação jurídica.

Expus posição diversa. Por entender que, na Lei Suprema, há expressa disposição para que o Congresso zele por sua competência normativa (artigo 49, inciso XI) e que nem mesmo em ações diretas de inconstitucionalidade por omissão do Parlamento julgadas procedentes, pode o Pretório Excelso legislar (artigo 103, §2º), em nenhuma hipótese caberia ao STF dar uma solução legislativa à luz de princípios gerais.

É que os princípios gerais quando mais genéricos, permitem múltiplas interpretações, até mesmo conflitantes, como por exemplo o da “dignidade humana”, no qual tanto os defensores do aborto como os do direito do nascituro de ter a vida preservada desde a concepção, lastreiam-se, gerando, assim, a defesa de teses absolutamente opostas.

A Constituição portuguesa, para tais princípios de múltiplas acepções, expressamente admite que apenas prevalece a interpretação em lei dos representantes do povo, entendendo eu que tal princípio é implícito na Constituição brasileira, muitas vezes o silêncio parlamentar representando a vontade popular de que aquela matéria não seja naquele momento legislada.

À evidência, em palestra de quase uma hora de cada um de nós dois, diversos argumentos foram utilizados em hospedagem de nossas posições, sempre pelo prisma da ética e da liberdade.

Ao final, os dois fomos aplaudidos em pé pela plateia, elogiando os organizadores como podíamos na divergência manter elevado nível, segundo eles, de elegância e respeito, ao que disseram ser um verdadeiro confronto democrático de ideias.

Tenho pelo Ministro Luís Roberto Barroso particular admiração, desde que trabalhamos juntos na “Comissão de Notáveis” criada pelo presidente do Senado, José Sarney, para repensar o pacto federativo. Ofereci-lhe, ao final, meu livro “Uma Breve Teoria do Poder”, colocando a seguinte dedicatória: “Ao querido amigo e mestre Ministro Luís Roberto Barroso com afeto e admiração ofereço”. Ele, por sua vez, dedicou-me seu livro “Inteligência Artificial, Plataformas digitais e democracia”, com as seguintes palavras: “Para o estimado Professor Ives Gandra com a admiração de sempre e o renovador apreço“.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

 

Os artigos não refletem, necessariamente, a opinião do Jornal Cidade Botucatu

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Botucatu

DIFÍCIL ENTENDER, artigo de Bahige Fadel

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Recentemente, ouvi uma notícia segundo a qual uma universidade federal do Maranhão havia contratado uma artista trans para apresentar a sua arte aos alunos. Sua apresentação foi uma dança erótica em que a referida artista trans mostrava suas partes íntimas, que, aliás, não deviam ser tão íntimas assim. E a artista deve ter feito um sucesso enorme, pois foi alegremente aplaudida. Quero deixar claro que ela foi paga por nós, que pagamos os nossos impostos.

A crônica não tem como objetivo discutir sobre sexo ou gênero, como preferem atualmente. Desejo falar sobre educação, sobre o processo de ensino e aprendizagem. Então, a pergunta que não quer calar é esta: O que a universidade ensinou e o que o aluno aprendeu, com essa apresentação artística? Notem que não estou colocando nada entre aspas, para que não pareça uma ironia do autor. Não quero ser irônico. Quero, apenas, dirimir dúvidas a respeito do processo de ensino e aprendizagem. já que meus longos anos na educação não foram suficientes para entender o que aconteceu, com o uso do meu dinheiro, nessa atividade.

Está certo. Podem dizer que o assunto era sexualidade ou gênero sexual. Até aí eu entendi. Agora, eu não consegui entender o que os alunos entenderam com o espetáculo apresentado pelo artista trans. Vamos lá: artisticamente, ele mostrou à plateia suas partes não tão íntimas. E o que isso ensina? O que isso mostra que os alunos ainda não conheciam? Um aluno universitário, em tese, já conhece esse tipo de espetáculo melhor que o professor. Na verdade, não ensinou nada. Apenas mostrou o que já havia sido visto. E não estou discutindo a qualidade da apresentação, pois não vi.

Isso me faz lembrar a época em que eu era diretor de escola. Numa festa cultural realidade pela escola que eu dirigia, uma turma apresentou uma dança moderna. As meninas dançaram direitinho. Quando fui cumprimentar a professora pela apresentação, perguntei-lhe como tinha sido o treinamento das alunas. Para minha surpresa, a professora me disse que não havia feito absolutamente nada. As meninas lhe disseram que desejavam dançar e a professora as inscreveu. Elas conheciam a dança, que era feita num programa de TV. Decepcionei-me. Era uma festa cultural. O mínimo que se podia desejar era um aprendizado artístico. Mas não houve nada. As meninas fizeram o que já sabiam fazer, independentemente da escola. Ou seja, a escola não teve participação alguma, a não ser ceder o espaço. Isso tem pouquíssimo valor para o processo de ensino e aprendizagem, pois ninguém aprendeu nada, nem a professora, que poderia ter feito uma pesquisa sobre aquele tipo de dança e explicado para seus alunos.

Voltemos ao espetáculo trans. Não tem alguma semelhança com a história que acabei de contar? Infelizmente, a tal universidade apoiou o professor responsável. Falou em diversidade cultural, em respeito às diferenças. Essas coisas aí que são ditas quando não há um argumento melhor. Na verdade, não passou de uma apresentação inútil ou quase inútil. Se houve alguma utilidade, foi a estupefação e a indignação que ocorreram.

Depois não entendem por que somos sempre os últimos nas avaliações internacionais de nossos alunos.

BAHIGE FADEL

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Brasil

UM BRASIL DEMOCRÁTICO E NÃO DE ESQUERDA, por Ives Gandras Martins

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As eleições municipais de 6 de outubro, com esmagadora vitória da democracia e dos postulantes do centro-direita e um fracasso da esquerda, principalmente da radical, merecem algumas considerações.

A primeira delas diz respeito ao Presidente Lula. Em seus dois mandatos anteriores, foi um presidente pragmático e não ideológico.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, talvez nosso melhor presidente depois da redemocratização, contou-me, certa vez, no meu escritório na presença de um comum amigo, George Legman, não me tendo pedido sigilo, que quando Lula liderava as pesquisas em 2002, atacando o sistema financeiro, o dólar chegou a 4 reais. Tanto o Ministro da Fazenda quanto o presidente do Banco Central sugeriram-lhe pedir um empréstimo ponte ao FMI para acalmar o mercado, que poderia até nem ser usado, pois os fundamentos da economia eram bons. Fernando Henrique, com seu prestígio, obteve o empréstimo com a garantia de que quem fosse eleito cumpriria o acordado. Ao chamar o candidato Lula, disse-l he que se obtivesse o empréstimo acalmaria o mercado e ele receberia o país economicamente estabilizado, caso contrário não haveria como segurar o pânico cambial. Teria Lula, pois, que mudar o discurso.

Lula não só mudou o discurso, como um de seus primeiros atos como presidente foi indicar Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco de Boston nos Estados Unidos, que foi quem mais entendia de economia em seu governo e deu-lhe estabilidade. De rigor, foi o verdadeiro Ministro da Economia de Lula.

O homem pragmático dos dois primeiros mandatos, tornou-se um ideológico do terceiro, dizendo que tinha orgulho de ser comunista e que colocou um comunista no STF. Hospedou as teses fracassadas em todo o mundo albergadas no “Foro de São Paulo” promovido pelo PT. A isto acrescentou sua amizade com ditadores, não condenando a fraude do sangrento autocrata da Venezuela, sugerindo que a Ucrânia gostaria da guerra e não queria a paz com a Rússia, paz esta que seria entregar a Rússia parte de seu território, além de sua amizade com os ditadores Putin e Xi Jiping da China e com a mais antiga ditadura da América, que é a de Cuba, sobre ainda apoiar o Irã , que provocou a chacina de 1.300 judeus através do grupo terrorista do Hamas e financiou os atentados do Hezbollah em Israel.

Por fim, afasta-se das nações democráticas ocidentais, para unir-se ao Sul Global sob o comando da ditadura chinesa.

O Brasil democrático reagiu contra esta linha totalitária, votando pela democracia equilibrada do centro-direita, em clara sinalização para uma vocação a favor da liberdade do povo e não da imposição governamental.

A segunda consideração foi a rejeição dos radicais de esquerda e de direita. O radicalismo perdeu espaço.

A terceira foi a não interferência da Justiça Eleitoral, como em 2022, em que veículos da mídia tradicional foram proibidos de veicular matérias a favor do ex-presidente, nas duas semanas que antecederam as eleições.

Os resultados desta eleição em que o partido do presidente obteve apenas 248 Municípios entre os 5.569 do Brasil, metade do que o partido do ex-presidente, que obteve 510 e menos que o do Chefe da Casa Civil do Governo de Tarcísio em São Paulo, que obteve 838, devem merecer reflexão do presidente Lula. O próprio partido do Governador conquistou muito mais Municípios que o partido do presidente.

A meu ver, ou ele volta a ser o pragmático dos dois primeiros mandatos, governando para o país e não para o PT, ou creio que os futuros resultados eleitorais serão ainda piores que os atuais.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Feco mercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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