O estudo foi apresentado no Programa de Pós-graduação em Biometria do Instituto de Biociências
Mateus Conte (AgDC-IBB)
A tese de doutorado defendida por Felipe de Almeida Camargo, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, pode contribuir para o avanço do conhecimento sobre a dengue e para o desenvolvimento de novas pesquisas científicas sobre a doença.
O estudo, intitulado “Modelagem matemática da interação entre o vírus da dengue e os anticorpos”, propõe um modelo matemático para simular e analisar a relação entre o vírus da doença e os anticorpos humanos e foi apresentado no Programa de Pós-graduação em Biometria.
Através do modelo matemático, a pesquisa identificou mecanismos pelos quais ocorre o aprimoramento e a neutralização do vírus por anticorpos, o que pode contribuir para o entendimento dos casos graves de dengue. “O problema da dengue, a parte mais severa, é a dengue hemorrágica. Se você já foi infectado uma vez por um sorotipo, à medida que você é infectado por um segundo sorotipo distinto, você pode manifestar a forma severa”, diz Felipe.
A infecção ocorre pois os anticorpos produzidos durante a primeira infecção se ligam ao vírus da segunda infecção, através do fenômeno conhecido como “imunidade cruzada”, mas não conseguem neutralizar o novo sorotipo por não serem específicos para o mesmo, permitindo que ele se propague pelo organismo.
O estudo também se debruçou sobre o caso particular de dengue em lactentes, termo usado para se referir aos bebês em fase de amamentação. A pesquisa identificou que a ocorrência de dengue grave neste grupo está associada à presença de anticorpos maternos transferidos verticalmente de mães imunes ao vírus aos bebês, enquanto ainda estão na placenta, durante a gravidez.
Aponta Felipe: “Como ele tem esses anticorpos maternos, a primeira infecção que ele tiver, ainda nos seus anos iniciais, já pode ser hemorrágica”. Como o bebê não possui memória imunológica para produzir mais anticorpos contra o vírus da dengue, aqueles que foram herdados da mãe decaem ao longo do tempo, viabilizando a infecção. “Chega um momento, que pela literatura e pelas nossas realizações computacionais é entre cinco e sete meses, que o nível de anticorpos é crítico. Se ele tiver uma infecção nestes meses, ele pode ter a forma hemorrágica”. Sendo assim, trata-se de um caso especial de dengue hemorrágica em primeira infecção.
A expectativa é que o modelo matemático proposto possa ser utilizado por outros pesquisadores e profissionais da área da saúde para aprimorar o conhecimento sobre a dengue. “A maior contribuição dele foi ter um olhar diferente, no sentido de como modelar essa interação entre o vírus e os anticorpos com equações que também são inspiradas na química e nas reações químicas. É uma formulação diferente do que o que a gente encontra hoje na literatura”, destaca a Profa. Dra. Claudia Pio Ferreira, orientadora do estudo.
Esquematização do contágio pelo vírus da dengue no corpo humano (Imagem: Divulgação/Nature Reviews Microbiology | Volume 5 | July 2007)
Com o advento de novas vacinas contra a dengue, como a Dengvaxia, a Qdenga e a Butantan-DV, esta última produzida no Brasil, novos dados imunológicos podem ser gerados e aplicados no modelo matemático proposto por Felipe. “Nosso modelo é de predição, então trabalhamos mais com situações hipotéticas, que é a parte computacional. Se a gente tiver esses dados reais, conseguimos predizer com mais certeza qual o momento em que ocorre a dengue hemorrágica e a quantidade de anticorpos suficientes para a proteção”.
Dentro do Programa de Pós-graduação em Biometria, o estudo se insere na linha de pesquisa denominada “Modelagem matemática e simulação computacional de biossistemas”, que tem por objetivo desenvolver modelos matemáticos e computacionais nas várias áreas das ciências da vida, através de métodos numéricos, autômatos celulares, redes complexas e técnicas de otimização.
“As pessoas estavam muito acostumadas com a modelagem estatística, mas hoje esses profissionais precisam ter essa formação de modelagem matemática também, a gente viu bastante durante a covid. Tem que saber quantificar, não adianta você falar que é mais azul ou é mais vermelho, é o quanto. Esse olhar da quantificação que é objetivo do programa”, diz a docente.
A dengue é uma doença infecciosa que pode causar sintomas como febre, dor de cabeça, dor no corpo e manchas vermelhas na pele. Em casos mais graves, a doença pode levar à morte e é especialmente perigosa para crianças e idosos. Seu principal vetor é a picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti infectado. Por isso, é importante eliminar os criadouros do mosquito e, assim, evitar que ele se prolifere.
O período do ano com maior transmissão da doença ocorre nos meses mais chuvosos de cada região, geralmente de novembro a maio. O acúmulo de água parada contribui para a proliferação do mosquito e, consequentemente, maior disseminação da doença. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registrou 1.016 mortes por dengue em 2022, algo nunca visto desde a década de 1980.
A tese de doutorado defendida por Felipe de Almeida Camargo é de acesso aberto e pode ser baixada através do seguinte link: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/242936/camargo_fa_dr_bot.pdf?sequence=3&isAllowed=y.