Hoje célebre Apple Rooftop Concert foi o último show ao vivo da banda para uma plateia, interrompido porque os vizinhos se incomodaram com o barulho; registros sobrevivem
O Estado de S. Paulo
Os Beatles já estavam cansados de ser os Beatles quando subiram a um “palco” pela última vez: no dia 30 de janeiro de 1969, os Fab Four pegaram seus instrumentos no topo do edifício do número 3 da Savile Row, no bairro de Mayfair, em Londres, e tocaram para nunca mais tocarem juntos em frente a uma audiência — o último show dos Beatles.
A história ainda não definiu com certeza de quem foi a ideia: há quem diga que foi do conciliador Ringo Starr, e na lembrança do tecladista Billy Preston, que acompanhou o quarteto na apresentação, a ideia foi de John Lennon. O engenheiro de som Glyn Johnson, célebre por gravar os maiores atos do rock inglês naquele ano (além dos Beatles, Rolling Stones e Led Zeppelin), porém, diz que foi dele.
Fato é que a banda e toda sua laia estavam instalados no prédio da Apple Records, o centro de operações da gravadora, produtora de filmes e estúdio. O plano era — depois de ter gravado e lançado o White Album em 1968, e de um período em que Ringo ficou afastado da banda — fazer um filme sobre o processo criativo dos Beatles no estúdio, nas gravações do que seria o disco Let It Be. O finale seria uma apresentação ao vivo: a primeira desde o último show da banda, em San Francisco, Califórnia, em 1966.
“Eu vou tocar o que você quiser que eu toque ou não vou fazer nada”, diz Harrison. “O que quer que te agrade, eu vou fazer.”
Ouch.
Envolvido nas gravações de uma parte das The Basement Tapes, com Bob Dylan e a The Band em Nova York, Harrison concordou em retornar a Londres sob uma condição: abandonar as sessões no Twickenham e mover a operação para o prédio da Apple Records.
A turma concordou, equipamentos foram levados do estúdio em Abbey Road, e alguns dias depois dos trabalhos o quarteto decidiu estar pronto para o show ao vivo.
Em um momento revelador do filme Let It Be, McCartney tenta de todo jeito convencer John Lennon e fazer a banda voltar ao palco, usando como argumento a série de shows realizados em Liverpool em 1961, depois da temporada na Alemanha. “Quando voltamos, os shows foram terríveis, estávamos nervosos. Mas continuamos a tocar e então a gente tinha eles nas mãos. Se alguém tivesse filmado aquelas apresentações… elas foram fantásticas”, diz Paul.
A sugestão de um show surpresa, inesperado, insólito, é tentadora demais mesmo para John.
A história segue e conta que depois de algumas especulações megalomaníacas como Los Angeles, o Coliseu e uma ilha na Grécia, a banda concordou em fazer subir os equipamentos e tocar no terraço, na hora do almoço, na região central de Londres.
Instrumentos, a estrutura de palco, o sistema de PAs, microfones e cabos foram levados quatro lances de escada acima, e no dia 30 de janeiro de 1969 uma pequena turma de amigos, além da equipe de filmagem, começava a presenciar aquela que seria a última aparição dos quatro Beatles juntos tocando suas músicas.
A missão de montagem e mixagem do som ficou por conta dos engenheiros Glyn Johns, Keith Slaughter e Dave Harries. Um dos problemas a serem resolvidos pela equipe era o vento nos microfones. Eles então mandaram um operador de fitas novato (ninguém menos que Alan Parsons) ir comprar meias-calças numa loja próxima. “Eu recebi muitos olhares estranhos”, lembrou Parsons anos depois.
O som foi mixado numa máquina de gravação de 8 canais, e o grupo performou algumas tomadas de cinco canções: Get Back, Dig a Pony, I’Ve Got a Feeling, Don’t Let Me Down e One After 909.
Embora o filme se encontre hoje fora de catálogo, alguns vídeos e trechos ainda podem ser encontradas na web.
O vídeo abaixo é um lançamento oficial da banda, um compilado de dois takes de Don’t Let Me Down gravados no topo do prédio da Apple Records.
Abaixo, outros teasers oficias sobre a produção do filme. Paul diz que a ideia era mostrar o processo criativo dos Beatles.
O show durou pouco mais de 40 minutos e foi interrompido, sim, pela polícia, após reclamações de comerciantes e moradores ao redor em relação a barulho e ao aumento do tráfego — transeuntes desavisados são os primeiros a testemunhar a movimentação estranha no teto do prédio, mas é curioso perceber como a notícia se espalha rápido numa era em que telefones celulares eram itens de distopias futuristas.
Em 2009, Paul McCartney repetiu uma experiência semelhante ao tocar de surpresa no teto do Ed Sullivan Theater, em Manhattan, para um quadro especial do Late Show, na época comandado por David Letterman: a notícia se espalhou rapidamente pelo Twitter e milhares de fãs se juntaram nas ruas e nos prédios vizinhos para assistir à performance, 40 anos depois do “show no teto” original.
Em uma entrevista na revista Word décadas depois daquela última performance com a banda, McCartney diz: “Eu amei porque ela mostra o que os Beatles eram por baixo de tudo aquilo. Nós éramos uma bela de uma banda”.
No fim do show, após uma versão crua de Get Back, é possível ouvir Lennon dizer: “”I’d like to say ‘thank you’ on behalf of the group and ourselves, and I hope we passed the audition” (gostaria de agradecer em nome do grupo e de nós mesmos, e espero que tenhamos passado no teste).