Bahige Fadel

LENDA, por Bahige Fadel

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Bahige Fadel

Você deve conhecer uma lenda, segundo a qual na prisão todo mundo é inocente. Assim, o assassino não é assassino, o ladrão não é ladrão, o estuprador não é estuprador, o pedófilo não é pedófilo, o corrupto não é corrupto, o traficante não é traficante. O assassino é um bom cidadão. Está lá preso por engano ou matou em legítima defesa. O ladrão é gente de bem. Está lá preso por ignorância. Pensou que a casa era dele, entrou nela e pegou tudo que era dele. O estuprador é gente que gosta de sexo. Pensou que ela queria, que os gritos dela eram por prazer. Então, foi lá e fez. O pedófilo é só um apaixonado. Quem iria imaginar que aquela pessoa só tinha dois anos de idade? Corrupto? De jeito nenhum! Apenas se utiliza das liberdades de certas pessoas para obter lucros que, indevidamente, dizem que são indevidos. O traficante? O que é isso, mano? Nada disso. Está por fora da situação. É comerciante. Satisfaz as necessidades de certas pessoas – muitas – e lhes vende o que é solicitado. Está certo que não paga impostos. Mas e daí? É só ele que não paga impostos? Se está preso por não pagar impostos, vão ter que prender muita gente fina. Por que só ele? Afinal, a justiça não tem que ser justa? É o cúmulo dos cúmulos existir uma justiça injusta. Se forem prender todos aqueles que sonegam impostos, vão ter que construir mais cadeias.

Se essa lenda não fosse só uma lenda que se repetiu e se repete até ficar lenda, a cadeia seria aquele paraíso – o éden – de que fala a bíblia. No éden, ou melhor, na cadeia só existiriam pessoas de bem. Por tabela, as pessoas do mal estariam fora delas. Assim, o honesto estaria trancafiado na cadeia e o desonesto, no bem-bom fora dela. ‘Os bons vi sempre passar/ No mundo graves tormentos/ E para mais me espantar/ Os maus vi sempre nadar/ Em mar de contentamentos.’ – versos do imortal Camões. E olhe que ele morreu em 1580. Isso quer dizer que a tal lenda é lenda mesmo. Não é coisa recente.

Caro leitor, desculpe-me pelas ironias. É que tudo está ficando muito cansativo. É que as pessoas apanhadas com provas claras e cristalinas, para se defenderem querem provar o improvável, dizendo que a verdade é mentira, que o bem é o mal, que o claro é o escuro. E que nós todos somos os perfeitos trouxas, que devem acreditar em tudo que eles dizem e não ver tudo que eles fazem. Para piorar, há uma legião de fanáticos que sustentam os malabarismos verbais dessa corriola, que se locupletou durante anos, levando o Brasil e os brasileiros à situação em que agora nos encontramos. Esses fanáticos devem achar que a culpa por tudo isso que estamos enfrentando é de Adão e Eva. Quem mandou o Adão comer a maçã e quem mandou a Eva oferecer a maçã para o companheiro? Eles deviam estar achando que o paraíso estava uma monotonia e resolveram fazer algo diferente. Ferraram-se. E como não tinham mais ninguém para culpar pela expulsão do paraíso, culparam um ao outro. Na vida atual, o culpar um ao outro não mudou muito. Os delatores estão aí para comprovar o que escrevo. Mas na bíblia os dois foram expulsos. Já nos casos atuais, os delatores saem praticamente ilesos e vão passar férias em Miami. Grande diferença. Diferença para pior.  Na bíblia, quer-se provar que o crime não compensa. Já na vida atual… ‘Ó jardineira por que estás tão triste?/ Mas o que foi que te aconteceu?/ Foi a Camélia que caiu do galho/ Deu dois suspiros e depois morreu.’ A gente não pode se esquecer de que vive no país do carnaval.

                                                           BAHIGE FADEL
Colunista Cidade Botucatu

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