CORPO ADOLESCENTE
Depois de percorrer quase todos os meses dos meus setenta e cinco anos, descobri algo preocupante. Estou com um corpo de adolescente. Verdade! Corpo de adolescente. Não, meu amigo, não é o que você está pensando. Não estou correndo cem metros em doze segundos, como fazia aos catorze anos de idade. Longe disso. Bem longe. Meu corpo virou adolescente porque ficou rebelde, desobediente, irritadiço, mal-humorado. Não me respeita mais. Minha cabeça lhe pede para ficar de pé, mas ele só quer ficar deitado. Minha cabeça lhe pede para fazer alguns exercícios físicos, só pra não ficar totalmente sedentário, mas ele não está nem aí. Quer ficar deitado. Deu até de ficar mexendo no celular o dia inteiro, coisa que minha cabeça não suporta. Discussões intermináveis por causa disso. Infelizmente, na maioria das vezes, ele vence. Está difícil aguentar esse adolescente.
Aliás, foi esse o principal motivo de minha cabeça ter tomado uma das maiores decisões dos últimos tempos. Depois de tanto tempo, resolvi me aposentar de vez. Deixei de ministrar aulas. Minha última aula foi numa sala de pré-vestibular. Tomara que tenha sido útil. Expliquei alguns livros que estavam sendo pedidos para o vestibular da UEL. Quando disse aos alunos que era a última aula que eu ministraria, deu um nó na garganta. Não é fácil. Estava terminando uma jornada que completava cinquenta e quatro anos. Professor desde 1968. É tempo pra caramba. Não raras vezes, alunos diziam que seus pais tinham sido meus alunos. E alguns ainda diziam que seus avós haviam sido meus alunos.
Quando comecei a dar aulas, no SENAC, o presidente do Brasil era Costa e Silva. Lembra? Regime militar. Os diretores das escolas nos pediam para termos cuidado com o que falávamos na sala de aula. A gente podia explicar Vinícius de Moraes, mas nem citava o poema OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO. Diziam que esse poema incitava à greve. E naquele tempo, as greves eram proibidas. Durante esse tempo todo, sobrevivi a presidentes bons e presidentes ruins. Nossa! Vocês se lembram do presidente José Sarney? Meu Deus! A inflação mensal superava os 80%. Se a gente fizesse as compras à tarde, pagava mais do que o preço da manhã. O remarcador de preços do supermercado era o emprego mais garantido. Trabalhava o dia inteiro.
E não era só isso. Eu era professor em Pardinho e Itatinga. Só que as estradas não eram asfaltadas. Lama na chuva, pó na seca e buracos todos os dias. Barra pesada! Um dia, precisei pedir emprestados sapatos ao Jorge, que era inspetor de alunos do Danúzia, em Itatinga, já que os meus estavam cheios de lama, pois precisei empurrar a perua de transporte.
Só que naquele tempo, meu corpo não era adolescente. Fazia tudo que minha cabeça queria. Hoje, nem pensar. A última aula que ministrei foi sobre o livro CARTAS CHILENAS, de Tomás Antônio Gonzaga. Expliquei para os alunos que pretendiam entrar na UEL o que o Critilo escrevia para o amigo Doroteu. O alvo das críticas era o corrupto fanfarrão Minésio. Para resolver o problema, só sendo independente. Não deu certo. Os heróis foram traídos. Minha última aula foi sobre o desejo de liberdade.
Vou sentir saudade. Tomara que também tenha deixado saudade. Tomara.
BAHIGE FADEL