Bahige Fadel

DESCONCERTO DO MUNDO, por Bahige Fadel

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DESCONCERTO DO MUNDO

As notícias recentes do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro que defendia os direitos humanos, numa terra sem lei, me levaram a refletir sobre uma poesia publicada no século XVI (já faz muito tempo!) por Camões. Vou transcrever um trecho dessa poesia:

Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar

No Mundo graves tormentos;

E pera mais me espantar,

Os maus vi sempre nadar

Em mar de contentamentos.

Desde aquele tempo, o poeta português já revelava uma realidade da época: os bons dando-se mal e os maus dando-se bem. Os séculos se passaram, veio a tecnologia, a sociedade mudou. Um monte de transformações. Mas a realidade da época é a mesma realidade de hoje: os bons dando-se mal e os maus dando-se bem.

Será que não há solução para esse problema? Será que o brasileiro será obrigado a conviver com essa realidade, de mãos atadas, quieto, escondido, para não ser vítima dos maus que querem dar-se bem às nossas custas? A solução seria apenas ficar em casa e deixar que as coisas ruins aconteçam apenas com os outros? A única solução seria esconder-se e ficar rezando em silêncio para que a gente ou alguém da nossa família não seja afetado pela ação desses maus que continuam dando-se bem? Será que não vão conseguir inventar uma armadilha para que esses maus se deem mal e nos deem sossego, para que possamos viver em paz e criar nossos filhos num mundo melhor? Será que não há reação possível capaz de inibir as malévolas ações daqueles que, praticando o mal, querem dar-se bem? Na poesia camoniana, pelo menos, no final, o mau se deu mal. Vejam a sequência da poesia:

Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

É a esperança dos brasileiros. Que chegue o dia em que os maus, realmente, se deem mal e os bons se deem bem. Não é possível que não haja alguém capaz de reverter esse estado de coisas.

A gente sabe que deixamos que inescrupulosos alimentassem a fera. A gente sabe. E agora que a fera do mal está bem alimentada é mais difícil vencê-la. Haverá ainda muitas perdas a lamentar, até que o mal seja dominado. Mas devemos começar agora. O primeiro ato é não alimentar mais a fera. Mas é pouco. Essa fera é muito forte e, com os meios que lhe demos pela nossa omissão e desinteresse, ela aprendeu a buscar sozinha o alimento de que necessita. Então, é preciso tirar-se o alimento e punir aqueles que ainda têm interesse em que ele permaneça vivo. Porque o mal não vive sozinho. Ele precisa de companhia – cumplices – para sobreviver. É preciso deixá-lo sozinho e a descoberto. Não é fácil, eu sei. Mas é preciso começar agora.

Hoje estamos lamentando a morte cruel da vereadora carioca. Amanhã estaremos lamentando um crime cometido contra um amigo ou contra alguém de nossa família. Quando será a hora de reagir? Depois que a casa for arrombada e tudo dela for roubado, de nada adiantará colocar tranca nova na porta. Não haverá mais nada para ser roubado. Não podemos esperar tanto.

BAHIGE FADEL

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