DESEJOS
Eu queria dizer que estou contente com o que vejo. Eu queria. Mas não está fácil. Eu queria ser otimista, ver o céu sempre azul, sem ser maltratado a todo momento pelo homem, por interesses escusos. Eu queria. Mas está difícil. Cadê essa natureza perfeita? Cadê? Se a gente quiser ver essa natureza de sonhos tem que dormir. Na realidade, ela se encontra apenas num passado remoto. Mas não temos essa capacidade de voltar para o passado. De que jeito? Só em sonhos mesmo. Depois a gente acorda e vê o quê? A ausência da natureza. O desprezo pela natureza. A destruição da natureza, para um lucro fácil. Que poder temos para mudar esse estado de coisas? O poder do berro. Berrar tudo isso. Mas é como berrar no deserto. Só as areias ouvem. E se porventura alguém ouvir, é capaz de dizer: Quem é esse louco, que fica berrando com a areia?
Eu queria dizer que estou contente com o que ouço. Eu queria. Mas não está nada fácil. Eu queria acreditar em tudo. ‘Vamos trabalhar pelo povo.’ ‘Eu sou honesto.’ ‘O amor venceu o ódio.’ ‘Vamos calar todo ódio do Brasil.’ ‘Estamos pensando nos pobres.’ ‘Os pobres precisam ter os mesmos direitos dos ricos.’
Eu queria acreditar em tudo isso. Mas como? Por favor, ensinem-me uma maneira de acreditar nesses discursos. A pessoa que diz tudo isso se instala num hotel de luxo da Europa, com diária de R$ 90 000,00. É isso mesmo, caro leitor. R$ 90 000,00 por dia. Por que tanta ostentação, meu Deus? Se é verdade que as pessoas valem pelo que fazem, fazer isso não tem muito valor. Falar de pobreza e ostentar luxo é certo? Como acreditar no que essas pessoas falam?
Eu queria dizer que estou contente com o que sinto. Eu queria. Mas como dizer que estou contente com o que sinto, se o que sinto é uma angústia do tamanho do mundo? Como? Angustiado por sentir nojo da falsidade, da traição, dos interesses ocultos, do desprezo que as pessoas têm pelos valores mais belos e mais fundamentais. Honestidade virou bobagem; desonestidade virou esperteza. Como não ter nojo disso? A bondade virou fraqueza; a maldade virou força. Nojo! O meu direito virou ofensa; o direito do outro virou obrigação. A solidariedade está escondida num canto qualquer; o desprezo pelo próximo está sorridente à luz dos refletores. Como não sentir nojo dessas coisas todas? Impossível. A não ser que você seja uma pessoa tão cega que é incapaz de olhar além do próprio umbigo.
Mas isso não quer dizer que me tornei incapaz de contentar-me. Nada disso. Mantenho essa capacidade, ainda. Estou contente, por exemplo, com a coragem que ainda tenho de escrever sobre o que penso. Não perdi essa coragem. Estou contente em ver que ainda há pessoas dispostas a superar as dificuldades que se apresentam, para tornar o mundo um pouco melhor. Ainda bem! Mas não é fácil.
BAHIGE FADEL – é colunista Cidade Botucatu