Mentiras e mentirosos
Será que somos todos mentirosos?
Para uma pergunta genérica, uma resposta genérica: Sim, uns mais e outros menos dependendo da índole das pessoas, das suas atividades, das circunstâncias e da pressão a que estão submetidas.
Conversando sobre o tema com um dos meus netos, há algum tempo, eu lhe perguntei se ele achava que existiam mentiras úteis. Sem pestanejar, ele afirmou que havia muitas. Também comentou que, embora as mentiras sejam inaceitáveis, há as mentiras ditas “brancas” que, além de serem aceitáveis, são artifícios comuns e são muito úteis em diversas situações. Não prejudicam ninguém, podem até ajudar e são utilizadas com diversas finalidades positivas.
Continuou para me dizer que a mentira mais repetida no mundo é “Tudo bem” – nas suas mais variadas formas e versões. Pergunta-se a uma pessoa: Como vai? ou Tudo bem? A resposta inevitável é: Tudo bem, ainda que nada esteja tão bem assim.
Conversamos longamente a respeito e eu lhe contei algumas das minhas experiências com as ditas mentiras “brancas”. Sobre as demais, não vale a pena falar.
Lá nos tempos da minha juventude, num evento religioso, o palestrante contava – quase aos prantos – que foi visitar um asilo de idosos onde a sua mãe prestava serviço voluntário, havia algum tempo, cuidando da higiene dos internos. Ficou chocado com o que viu e disse à sua mãe que ele não faria isso “por dinheiro nenhum desse mundo”. Sua mãe lhe teria respondido “eu também não, meu filho.
Muito mais tarde, eu soube que essa passagem ocorreu com a Madre Tereza de Calcutá num diálogo com um empresário que visitava o local onde ela exercia as suas atividades de assistência a miseráveis na Índia.
A menos que a situação se tenha repetido com a mãe do nosso palestrante, ele disse uma mentira aceitável para nos motivar à prática da caridade – uma mentira útil e sem consequências negativas. Uma mentira branca.
Muito mais tarde, num curso para executivos, uma professora nos falava a respeito dos fundamentos do “marketing”. Num determinado momento ela disse que havia descoberto o real significado de “marketing” durante as suas férias numa cidade praiana. Ela explicou que estava hospedada num hotel bem diante da praia e, como chovia muito, ficou no seu quarto observando, pela janela, o movimento dos surfistas que enfrentavam a chuva e as ondas mais fortes.
Dessa observação, ela concluiu que os surfistas se mantinham em pé e executavam manobras radicais porque olhavam sempre para a onda seguinte e se preparavam para ela. Disse que aquilo lhe havia ensinado o que era marketing – antecipar o que ia acontecer e se preparar para agir em função disso.
Algum tempo depois do curso, passeando por uma livraria (naquele tempo se fazia isso) deparei-me com um livro chamado “Surfando as ondas do mercado”. Lá estava a mesma história, um pouco diferente da que ouvimos e contada por outro autor.
Aquilo foi um plágio? Talvez tenha sido, mas totalmente perdoável. Não machucou ninguém, não desmereceu ninguém e nos ajudou a entender um conceito importante. Achamos o máximo. Outra mentira branca e útil contada pela nossa professora.
Seguramente, todos temos boas histórias para ilustrar inúmeras situações que vivenciamos, como protagonistas ou apenas participantes, envolvendo as mentiras brancas. Nos meu caso, em particular, diversas vezes me pilhei contando histórias fantasiosas durante apresentações, palestras e até debates em conversas no trabalho ou com amigos e familiares. Foram artifícios que me ajudarem muito a “vender o meu peixe”.
Já me aventurei até a tentar classificar em três categorias as mentiras que considero aceitáveis e úteis:
“As mentiras piedosas”: Aquelas que podem ajudar a aliviar o sofrimento, aumentar a autoestima ou melhorar a motivação de alguém. Os médicos e os terapeutas dizem mentiras piedosas para aumentar as esperanças e o otimismo dos seus pacientes. “Isso vai passar. Vai ficar tudo bem. Tenha força.” Os treinadores e motivadores de pessoas fazem o mesmo. Todos nós fazemos alguns elogios vagos. “Como você cresceu! Você está muito bem! Gostei muito do que você disse.”
“As mentiras pedagógicas”: Aquelas que nos ajudam a deixar as coisas mais claras e convincentes, a explicar algo ou a convencer as pessoas a respeito de algum assunto. Assim como uma figura vale por mil palavras, uma boa história – verdadeira ou não – vale por mil argumentos. A maioria dos professores, conferencistas, palestrantes e até dirigentes tem um estoque de histórias fantasiosas que os ajudam a fazer os seus trabalhos de maneira mais eficiente. Simplificam, reduzem a energia e o tempo gastos no aprendizado e tornam o processo mais prazeroso utilizando criteriosamente essa ferramenta.
“As mentiras de travesseiro”: Aquelas que dizemos a nós mesmos nos momentos de reflexão e aconchego para aliviar as nossas tensões, angústias e frustrações e aumentar a nossa autoconfiança. “Amanhã eu vou mudar esse quadro! Coloquei aquele cara no seu devido lugar! Vou provar que eu sou o melhor!”