Bahige Fadel

OS DIREITOS DO IDOSO, por Bahige Fadel

Publicado

em

OS DIREITOS DO IDOSO

Parece que vou escrever em causa própria. Não é verdade. Ou é? Não importa. Não fará a mínima diferença. E você, leitor, idoso ou não, deverá concordar comigo. Vai concordar. O idoso, não simplesmente por ser idoso, deveria ter alguns direitos a ele apenas reservados. Algumas vezes, tenho a impressão de que alguns menos idosos dão ao idoso apenas o direito de ter dores e de falar de doença ou dos mortos. Parece que querem privar o idoso do direito de ser feliz. Sim, de ser feliz, de sonhar, de amar, de fazer planos para o futuro. Sim, fazer planos para o futuro. O futuro do idoso é mais próximo, mas existe. E se o idoso deseja viver esse futuro – que pode ser daqui a um mês, a um dia, a uma hora – tem que planejá-lo.

O idoso deveria ter o direito de esquecer algumas coisas sem ser ridicularizado por isso. Mas a realidade é que se o idoso esquece algo, é porque está esclerosado. Se o jovem esquece a mesma coisa, é porque está distraído. Se o jovem comete algum erro, por mais elementar que seja, é porque é inexperiente. Ainda vai aprender. Deem tempo ao tempo. Se o idoso comete o mesmo erro, é porque não serve para mais nada, tornou-se um perigo para a sociedade. Por que não morre logo? Não falam isso na cara do idoso, mas pensam.

O idoso deveria ter o direito de lembrar coisas antigas, sem ser ridicularizado por isso. Esse velho só lembra coisas que já não servem para nada – dizem os menos vividos. Servem, sim. É que o idoso já viveu coisas e tempos que os jovens não viveram, e tem direito de lembrar-se disso. Eu, por exemplo, tenho o direito de me lembrar do título de 1957 do São Paulo Futebol Clube sobre o Corinthians, no Pacaembu. Por que não? Só porque é passado? Não é melhor lembrar isso do que me lembrar de guerra mundial, de ditadura militar? Lembrar-me da vitória do São Paulo me dá felicidade; lembrar-me de uma ditadura, não. Não tenho direito a isso?

Não sei como é na maioria dos países, mas no Brasil é muito engraçado. Eu escrevi engraçado? Perdão, errei. Não tem graça nenhuma. Acho que é porque sou idoso. Troquem o engraçado por esquisito. No Brasil é muito esquisito. Assim ficou melhor. O cara já completou mil anos de idade, mas lhe dão o direito de ser presidente da república. Acham normal que Matusalém governe o Brasil. Mas o tempo começa a pintar de branco os cabelos de um cidadão e a desenhar em seu rosto algumas rugas, e lhe negam o direito de ser professor, de ser gerente, de ser administrador. Por que não vai pescar um velho desses? – perguntam. Deveriam mudar a pergunta: Por que não vai ser presidente da república um velho desses?

Um dia, meu irmão, com o rosto carregado, me disse que está preocupado com o dead-line. Ele gosta de falar chique, é mandatório falar chique. Pare! Que negócio é esse de dead-line? Eu lhe disse que, no máximo, estava preocupado com o work-line. Fui chique que nem ele. Depois dei uma baita de uma gargalhada. É, o idoso tem o direito de dar uma gargalhada, mesmo que seja em hora errada. Tem o direito de derrubar o prato, porque sua mão está trêmula. Tem o direito de demorar mais tempo para realizar coisas. O idoso, enfim, tem o direito – pelo menos, deveria ter – de encontrar o seu próprio jeito de ser feliz.

BAHIGE FADEL

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Sair da versão mobile